Vontade de fazer doutorado?

A decisão de se submeter à um processo formativo cuja finalidade é a obtenção do grau acadêmico de doutor deve ser ponderada em vários aspectos. Trata-se de um caminho desafiador e com um objetivo ousado: tornar-se um(a) pesquisador(a) independente e como prova dessa habilidade adquirida ter produzido conhecimento científico relevante e inédito.

Muito se pode falar sobre o nosso processo de tomada de decisões. Há quem pense que a decisão pode ser um processo completamente racional. O notável Charles Darwin elaborou uma lista de prós e contras para tomar a decisão de casar-se [1]. Guardadas as devidas proporções, seria o ingresso no doutorado um caso de listas de pró e contras?

Embora para algumas pessoas esse processo racional funcione (o próprio Darwin parece ter tido sucesso com o casamento), certamente não funciona para outras. De outra forma, todos teríamos uma alimentação saudável e balanceada, leríamos pelo menos um livro por mês, praticaríamos meditação, teríamos rotinas saudáveis e seríamos super produtivos. Quantas pessoas se encaixam nesse padrão? Talvez nenhuma [2].

Existem explicações da neurociência para alguns desses comportamentos. Vivemos uma disputa entre estruturas racionais e lógicas e estruturas emocionais-sociais que terminam guiando uma busca pela felicidade utilitarista: maximizar o prazer e reduzir a dor. Portanto, o nosso lado racional consegue planejar que vamos acordar às 5 da manhã, fazer uma refeição saudável seguida de uma atividade física, iniciar o trabalho às 9h e ser super produtivo nas tarefas do dia. Entretanto, às 5h quando o despertador toca, o plano parece não fazer mais tanto sentido diante do prazer de continuar dormindo.

Aqui poderíamos começar falando sobre a vontade, no sentido filosófico, como sendo a força motriz que nos impulsiona para a ação. Essa situação humana pode ser resumida em duas frases. A primeira atribuída a Mahatma Gandhi: “A força não provém da capacidade física e sim de uma vontade indomável”. Gandhi coloca a vontade como fonte da força, indomável. A segunda frase é atribuída a Carlos Drummond de Andrade: “A minha vontade é forte, mas a minha disposição de obedecer-lhe é fraca”.

Portanto, a reflexão do porquê vivenciar um doutoramento é de extrema importância. As dificuldades do caminho fazem oscilar a vontade de viver a experiência. Entretanto, uma reflexão sobre propósitos e significado podem ajudar a estabelecer uma vontade menos oscilante. Manter alimentada a chama da curiosidade, um mecanismo interno que nos permite avançar para o desconhecido, também é importante. Não é tarefa simples, trata-se de reflexões que podem durar uma vida inteira.

De ordem prática, reflexões periódicas (diária, semanais, mensais) sobre o que temos feito e como nos sentimos em relação à essas coisas podem ajudar. Além disso, considerar nosso mecanismo biológico de confronto entre racionalidade e busca do prazer pode nos levar à melhores estratégias para planejar nossas rotinas e consequentemente melhorar a produtividade.

[1] M. POPOVA, “Charles Darwin’s List of the Pros and Cons of Marriage,” 2012. [Online]. Available: https://www.brainpickings.org/2012/08/14/darwin-list-pros-and-cons-of-marriage/ apud C. Darwin, The Correspondence of Charles Darwin, Volume 2: 1837-1843. Cambridge University Press, 1987.

[2] T. Rose, “The Myth of Average,” TEDxSonomaCounty, 2013. [Online]. Available: https://www.youtube.com/watch?v=4eBmyttcfU4.

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