Problemas ou oportunidades?

A América Latina é responsável por cerca de 10% da população mundial. São 20 países que juntos possuem uma área de aproximadamente de 20 milhões km². Dentre esses países, dois estão entre as vinte maiores economias do mundo (Brasil e México). Entretanto, diante de tantas possibilidades, apenas 5% da produção científica mundial advém da América Latina [1].

Certamente a América Latina convive com graves problemas como corrupção e escassez de investimentos. Mas, uma questão que pode passar despercebida é a falta de identificação das pessoas como cidadãos latino americanos – exceto quando cantamos a música de Belchior. Economicamente, existem dois principais acordos comerciais: a Aliança do Pacífico e o Mercosul. Os dois tratados comerciais englobam apenas 55% (11) dos países da América Latina. Existem também alguns acordos específicos entre países, como o acordo de livre comércio para o setor automobilístico entre Brasil e México, mas, não há acordos extensos como um único bloco latino americano. Esse fato provoca um questionamento: realmente existe América Latina para além de uma região no globo terrestre de países com idiomas de origem comum? De outra forma, existe América Latina como um organismo vivo, composto de vários órgãos (países) com suas individualidades, mas que cooperam para um todo?

Mesmo com todas as dificuldades e a falta de integração, a América Latina consegue produzir bons pesquisadores e consequentemente boa ciência. Mas a produção científica na América Latina não movimenta a economia de forma relevante. Uma integração entre Indústria e Academia pode ser uma excelente oportunidade para ambos [2].

Vivemos o surgir de uma nova era. A revolução da automação [3]. Quando falamos de desenvolvimento tecnológico é muito difícil recuperar o tempo perdido para alcançar aqueles que estão na ponta. Mas, o surgir de uma nova tecnologia pode ser uma ótima oportunidade para entrar nesse jogo. No centro dessa transformação está a Inteligência Computacional (IC). A IC tem apresentado algumas características interessantes:

  1. Embora haja competição, é um ambiente majoritariamente colaborativo. Podemos usar frameworks, modelos, estruturas de nuvem sem altos custos – e algumas vezes sem custos. Grupos pesquisa (mesmo os das grandes empresas) participam de relevantes conferências e divulgam seus trabalhos, softwares e frameworks para toda a comunidade;
  2. O custo de hardware não é proibitivo. Embora recentemente tenham surgido modelos que nos fazem questionar essa premissa, para a maioria das aplicações práticas é possível usar computadores de médio porte para resolver problemas complexos;
  3. Embora seja uma área extremamente vibrante e com grande produção de conhecimento, existem muitos problemas em aberto e há muito espaço para aplicação nas mais diversas áreas.

A integração inteligente (em todos os sentidos) entre Academia, Indústria e Governo parece ser um bom caminho para uma transformação. Essa integração lubrificada pelas oportunidades que as pesquisas e aplicações da IC pode trazer frutos melhores. Em um segundo plano, a integração entre os países da América Latina, compartilhando cultura, comércio e ciência pode trazer um sentimento de pertencimento e resultados duradouros para todos os latino americanos.

Referências

[1] L. M. R. Ferreira et al., “Effective participatory science education in a diverse Latin American population”, Palgrave Commun., vol. 5, no 1, Art. no 1, jun. 2019, doi: 10.1057/s41599-019-0275-0.

[2] D. R. Ciocca e G. Delgado, “The reality of scientific research in Latin America; an insider’s perspective”, Cell Stress Chaperones, vol. 22, no 6, p. 847–852, nov. 2017, doi: 10.1007/s12192-017-0815-8.[3] D. Tobenkin, “The Automation Revolution”, SHRM, dez. 01, 2019. https://www.shrm.org/hr-today/news/all-things-work/pages/the-automation-revolution.aspx (acessado jul. 20, 2020).

Ciência na América Latina

A América Latina é um subsistema regional geopolítico composto por 29 países das Américas central, do sul e dos Caribes [1], que compartilham como línguas-mãe os idiomas românicos.

Com uma população estimada de 635 milhões e área de 20,5 milhões de km² [2], a região forma um gigante que compartilha da Latinidade, uma identidade fluida e diversa, mas que compartilha de traços culturais e esforços históricos que ainda permeiam seus povos [3].

Das especiarias ao petróleo e independentemente da época, a América Latina sempre foi considerada rica nos recursos cobiçados pelos países dominantes, porém ao comparar a economia dos países latinos com as destes dominantes é verificada uma discrepância surpreendente.

Além disso, o valor latino não se limita à recursos naturais, a região possui trabalhadores excepcionalmente competentes e intelectualmente notáveis, Com 17 prêmios Nobel, nós possuímos a capacidade de propulsionar nossa identidade ao topo do patamar científico.

A Indústria 4.0 traz consigo um leque de problemas que apenas poderão ser resolvidos com as inovações possibilitadas pela Inteligência Artificial, no entanto é necessário organização entre governo e indústria para que, por meio das universidades, possamos capacitar cientificamente cidadãos para que descubram estes problemas e suas soluções. O não cumprimento deste processo inevitavelmente acarretará, mais uma vez, na transformação das nações da América Latina em colônias, desta vez tecnológicas.

Portanto, é necessária a união entre os países latino-americanos, para que a troca de poderio intelectual e experiências permitam a solução interna de problemas que assolam a região e posterior exportação de nossas soluções como uma potência tecnológica e científica.

Referências

[1] Adam Augustyn et al. “List of countries in Latin America”. In:Ency-clopædia Britannica(2017).

[2] UN Data. “Latin America and the Caribbean“, [online] available in http://data.un.org. In: Data. aspx(2019).

[3] Milagros Castillo-Montoya and Daisy Verduzco Reyes. “Learning La-tinidad: The role of a Latino cultural center service-learning coursein Latino identity inquiry and sociopolitical capacity”. In:Journal ofLatinos and Education19.2 (2020), pp. 132–147.

A importância da parceria entre indústria e universidade

De acordo com relatório do Fórum Econômico Mundial, entre 2017 e 2018 o Brasil subiu 1 posição no ranking de competitividade após vários anos em queda. Dentre todos os fatores avaliados, a maior contribuição foi do pilar inovação, com inversões positivas em diversos indicadores de performance, que evidenciam o aumento na capacidade do país em inovar. Os destaques foram para o aumento da colaboração entre empresas e universidades, e a melhoria na qualidade das pesquisas e na formação de cientistas e engenheiros. Entretanto, apesar do expressivo progresso, e do país ter subido outras 11 posições na edição de 2019 do mesmo estudo, a pontuação do pilar inovação está entre as mais baixas os indicadores analisados, o que sugere que há muitas oportunidades nessa área [1, 2] .

Nesse mesmo contexto, a OCDE publicou outro relatório que aborda evidências e possibilidades de políticas para fomentar essa interação, e apresenta recomendações. Dentre elas, 1) definir políticas que atendam às necessidades de pesquisa da indústria, considerando que uma única abordagem não será adequada para empresas de todos os portes e setores, 2) criar mais mecanismos de suporte a projetos de cocriação, além dos que tratam da transferência de tecnologia; 3) conferir maior autonomia às instituições de pesquisa para definirem os termos dos acordos de cooperação e transferência de tecnologia. Entre as evidências do benefício da relação indústria-universidade, o trabalho destaca que foi verificado que a proximidade entre universidades e indústrias tem um efeito positivo no aumento do número de depósito de pedidos de patentes, a fundação de startups por estudantes e acadêmicos contribui para o comércio e a transferência de tecnologia desenvolvida com recursos público [3].

As evidências e recomendações identificadas nas 3 publicações citadas parecem estar sendo refletidas em ações importantes empreendidas no Brasil nos últimos 3 anos. Dentre elas estão a criação de institutos de inovação por universidades e outras instituições de ensino e/ou pesquisa, cuja principal finalidade é aproximar a academia do setor produtivo através de projetos de PD&I, e a regulamentação do Marco Legal da Inovação, Ciência e Tecnologia [4]. O Marco é particularmente importante porque confere segurança jurídica às instituições de ensino [5], e estabelece de forma clara, por exemplo, as regras para a atuação do pesquisador público em ações de inovação, inclusive junto à iniciativa privada, e a autonomia das ICTs públicas, para definir os termos de direitos a propriedade intelectual, nas suas relações com outros atores.

[1] K. Schwab, “The Global Competitiveness Report”, 2017.

[2] K. Schwab, “The Global Competitiveness Report 2019”, p. 666.

[3] “University-Industry Collaboration : New Evidence and Policy Options | en | OECD | OCDE”. http://www.oecd.org/fr/innovation/university-industry-collaboration-e9c1e648-en.htm (acessado jul. 18, 2020).

[4] MCTIC, Marco Legal de Ciência, Tecnologia e Inovação. 2018.

[5] “Marco legal da inovação estreita relação entre ICTs e empresas”. http://pesquisaparainovacao.fapesp.br/marco_legal_da_inovacao_estreita_relacao_entre_icts_e_empresas/573 (acessado jul. 21, 2020).

Por que as indústrias devem contratar mais doutores, e mais industriais devem fazer doutorado?

A demanda por PhDs nas indústrias vem aumentando sobretudo em razão da forma rápida e radical com que mudanças vêm ocorrendo [1] . As contratações ocorrem não pelo fato de PhDs serem altamente qualificados ou por sua habilidade de absorver conhecimento científico [1, 2]. O interesse das empresas está na capacidade dos PhDs de utilizar poderosos métodos analíticos e estratégias para a entender, formular e resolver problemas complexos [3, 4], e no capital social desenvolvido por esses profissionais durante o processo de doutoramento, que normalmente envolve relacionamento com pesquisadores de diferentes áreas. Isso lhes permite identificar soluções para problemas de diferentes naturezas, detectar oportunidades tecnológicas dentro e fora da empresa e gerenciar parcerias [4] .

A observação dessas tendências e evidências da importância dos PhDs para o sucesso das empresas é um convite para que os executivos industriais reflitam sobre isso. Vale considerar a hipótese que essa capacidade de absorver conhecimento, entender os fatos e resolver problemas, pode ser de grande contribuição não somente nos departamentos de P&D mas também nas áreas de negócios e no próprio “chão-de-fábrica”.

Esse processo de forte interação entre universidade, governo e empresas, conhecido como Tríplice Hélice framework,  é observado em alguns locais de grande avanço econômico e tecnológico, como o Vale do Silício. Nesse novo paradigma, as três hélices: governo, indústria e universidade, atuam sinergicamente, contribuindo com suas competências para objetivos comuns e até assumem, em algumas situações,  uma o papel da outra. Ou seja, a indústria é sempre a hélice envolvida nos negócios e na produção, o governo é a hélice que regula e fomenta as relações, e a universidade é a hélice que produz conhecimento e tecnologia, mas a indústria também produz tecnologia, o governo também se envolve em aspectos de produção e a universidade também influencia as decisões sobre fomento e regulação. Esse estreitamento de relações ainda está em curso mesmo em países de desenvolvimento mais pujante. O fato é que em muitos locais a universidade ainda é vista como uma área periférica de suporte ao desenvolvimento tecnológico [5].

Nesse contexto, quem atua como elemento de conexão entre as hélices é o estudante de PhD. No contexto em que ele é um profissional da indústria em processo de doutoramento, o termo aplicado pela literatura é Industrial PhD Student. Isso porque ele realizará um projeto de pesquisa, que contribua com a indústria em que atua, e que também atenda a todos os critérios para obtenção de um título de doutor, tais como resolver um problema inédito, de forma inovadora, e apresentar prova incontestável da eficácia de sua proposta de solução [6] .

No Brasil, observa-se uma intensificação dessa prática sobretudo após os estabelecimentos dos marcos legais federal e estaduais de inovação, e das políticas de inovação nas universidades. Em alguns casos, as instituições têm criado institutos ou agências de inovação, cujo papel é entender os problemas e os desafios do setor produtivo e do governo e verificar quem e/ou que soluções já propostas pela equipe de pesquisadores da instituição, pode contribuir.

Entre as objeções verificadas por parte dos executivos industriais nas interações com institutos de pesquisa estão a desconfiança a respeito da capacidade das universidades de entregar soluções práticas à indústria e a demanda por respostas rápidas. Mas até essa expectativa a respeito da possibilidade de identificar soluções para problemas complexos em semanas se deve à falta de PhDs nas empresas. Isso porque sem eles, os executivos não dispõem de assessoria capaz de ajudar a definir quais problemas são solucionáveis a partir do uso de métodos, técnicas e tecnologias estabelecidos, e quais outros demandam pesquisa e desenvolvimento. O resultado disso é que a indústria apresenta como “urgentes”, problemas que assim são há décadas, e mesmo assim esperam obter uma solução em semanas.

Felizmente, essas barreiras têm sido transpostas ao passo em que as indústrias começam a empreender projetos em parceria com universidades, mesmo que pequenos, e a partir disso reconhecem os benefícios práticos que essa relação proporciona. Essas interações permitem que as duas “hélices” se conheçam melhor, entendam suas competências, capacidades, deficiências e desafios, criem empatia, e a partir disso contribuam de forma eficaz, uma como desenvolvimento da outra. Sendo assim, verifica-se que a integração entre indústria e universidade está se estabelecendo e ampliando continuamente, e que o PhD é um importante ator nesse processo. Por isso, é importante que as indústrias que ainda não dispõem de doutores em suas equipes reflitam sobre esse ponto e busquem estreitar seus relacionamentos com universidades e institutos de pesquisa.