O Brasil precisa formar doutores

O doutorado é o ápice da carreira acadêmica de um indivíduo. Ao iniciá-lo, o estudante assume um compromisso de avançar para além da fronteira da ciência e desenvolver habilidades que são esperadas num pesquisador, razão pela qual esse processo dura em média quatro anos.

Apesar de o Brasil ter conseguido um incremento considerável de profissionais com essa formação nas últimas décadas, o panorama geral ainda mostra uma um grande abismo quando os números brasileiros são comparados com a realidade de outros países.

De acordo com pesquisa apresentada em 2015 pelo Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE) [1], a taxa de programas de doutorado vem crescendo no Brasil de forma significativa desde 1996. A mesma pesquisa apresenta que os programas multidisciplinares foram os que mais cresceram no período analisado (1.654,5%). Por outro lado, os doutorados voltados para a área das ciências exatas e da terra tiveram o menor crescimento (102,2%) dentre os analisados. Todo esse aumento de oferta também fez com que fossem formados mais doutores. No período analisado houve um crescimento de 486,2% na concessão desses títulos no país. Novamente as áreas multidisciplinar e de ciências exatas da terra continuaram nos extremos quando se tratou de quantidade de formandos. Sendo o aumento de formandos nessas duas áreas de 36.600% e 250,8%, respectivamente.

Apesar desse aumento considerável na formação de doutores, o Brasil ainda está muito distante das nações consideradas desenvolvidas. De acordo com as informações apresentadas no relatório técnico da Capes de 2017 [2], que se baseia em uma pesquisa da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), na ocasião o Brasil possuía aproximadamente 8 doutores (7,6) por 100 mil habitantes, enquanto que a média entre os países desta organização era de 28 doutores para cada 100 mil habitantes. Essa baixa proporção da população com doutorado fez com que o Brasil aparecesse nas últimas posições do ranking apresentado na pesquisa, ficando apenas na frente do México e Chile que apresenta, 4,2 e 3,4 doutores por 100 mil habitantes, respectivamente. O país logo a frente do Brasil no ranking é a Hungria com uma média de 11,6 doutores por 100 mil habitantes (42% a mais que o Brasil) e o mais bem colocado foi a Eslovênia com 56,6.

Evidentemente que o doutorado não está nos planos de muitos dos estudantes que ingressam na educação superior, assim como nem todo mundo precisa ter uma educação superior para desempenhar seu papel numa sociedade. Contudo, o fato é que mesmo aqueles que têm interesse no doutoramento acabam encontrando mais dificuldades do que facilidade nesse percurso. Pode-se citar os frequentes cortes de bolsas de pós-graduação (e na ciência)[3], a falta de apoio financeiro para participação em eventos ou para desenvolvimento de atividades de pesquisa. Aliado a esses problemas, que muitos tem haver com questões políticas, encontra-se um fato que é uma característica brasileira, os setores empresariais ainda absorvem poucos doutores. Essa realidade faz com que o doutorado acabe formando um excelente profissional que retorna para a Academia, diferente de outros países onde eles vão ocupar posições nos mais diversos setores [4]. Esse cenário pode ser percebido na pesquisa feita pela CGEE no qual apresenta que a maior parte dos doutores formados no período analisado foram ocupar cargos na área de Educação. 

Diante do que foi exposto, evidencia-se a necessidade de um plano nacional para formação de doutores nas mais diversas áreas de estudos. Algo desse tipo é custoso, mas necessário para o progresso do país. Através dele espera-se que seja criado um ambiente necessário para que o Brasil possa avançar na proporção de doutores para se aproximar dos valores encontrados em países desenvolvidos. Além do apoio financeiro para a formação, se faz necessário criar mais facilidades para que as empresas tenham interesse em empregar tais profissionais, como por exemplo o programa Pesquisador na Empresa do Recursos Humanos em Áreas Estratégicas (RHAE) [5] que foi criado em 1987 para inserir mestres e doutores em empresas privadas de micro, pequeno e médio porte, mas que foi encerrado devido a restrições orçamentárias no fundo, que garantia o pagamento das bolsas.  

Referências

[1] Centro de Gestão e Estudos Estratégicos. Mestres e doutores 2015 – Estudos da demografia da base técnico científica brasileira. Brasília, DF. 2016. Disponível em: <https://www.cgee.org.br/documents/10195/734063/MeD2015.pdf/d4686474-7a32-4bc9-91ae-eb5421e0a981>. Acesso em: 13 de julho de 2020. 

[2] CAPES. Relatório Técnico da DAV – Egressos da Pós-graduação: Áreas Estratégicas. Brasília, DF. 2017. Disponível em: <https://www.capes.gov.br/images/stories/download/avaliacao/19122018_Cartilha-DAV-Egressos.pdf>. Acesso em: 13 de julho de 2020. 

[3] Jucá, Beatriz. Cortes de verbas desmontam ciência brasileira e restringem pesquisa a mais ricos. Portal El País (Brasil).  Disponível em: < https://brasil.elpais.com/brasil/2019/09/03/politica/1567542296_718545.html>. Acesso em: 13 de julho de 2020. 

[4]  Langin, Katie. In a first, U.S. private sector employs nearly as many Ph.D.s as schools do. Portal da Science Magazine. Disponível em <https://www.sciencemag.org/careers/2019/03/first-us-private-sector-employs-nearly-many-phds-schools-do>. Acesso em: 14 de julho de 2020. 
[5] RHAE. Portal do CNPq. Disponível em: <http://cnpq.br/apresentacao-rhae>. Acesso em: 13 de julho de 2020.

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