Produção científica e a terceira lei de newton

A terceira Lei de Newton marca a percepção do binômio ação-reação na natureza. 

To every action there is always opposed an equal reaction: or the mutual actions of two bodies upon each other are always equal, and directed to contrary parts.

(Newton Sir Isaac, 1729, p. 4)

Não existe ação sem reação e vice-versa. E isso não para por aqui, pois na natureza existem muitos outros binômios indissociáveis. Por exemplo, uma questão científica e filosófica que desafia de crianças a cientistas é a anedótica quem veio primeiro: o ovo ou a galinha? A galinha depende do ovo para existir, assim como o ovo também depende da galinha para existir; condição sinne qua non de um para existência do outro.

Existem outros binômios desse tipo nas relações humanas. Por exemplo, durante muito tempo se discutiu sobre ensinar algo a alguém. Hoje, entende-se que só faz sentido discutir ensinar quando há o aprender, portanto, é mais comum encontrar o binômio ensino-aprendizagem na literatura especializada. A compreensão desse binômio mudou a pergunta de “como se ensina” para “como se aprende”. Outro binômio interessante é o dar-receber (give-receive), um dos princípios da comunicação não violenta de Marshall Rosenberg, muito bem expresso na música de Ruth Bebermeyer:

To receive with grace

may be the greatest giving.

There’s no way I can separate the two.

When you give to me,

I give you my receiving.

When you take from me, I feel so given to.

(Rosenberg, 2006, p. 5)

Trazendo esse conceito para a produção científica, os relatórios de pesquisa (teses, dissertações e artigos) são inerentes à pesquisa. Da mesma forma que não existe relatório sem pesquisa, pode-se afirmar que não existe pesquisa completa sem um relatório – “There’s no way I can separate the two”.

Também há uma retroalimentação entre as etapas da pesquisa e os elementos constituintes do relatório. Introdução (o que e por quê), referencial teórico, contribuição/método, resultados e conclusão são as seções esperadas em um relatório de pesquisa. E também são as etapas esperadas de uma pesquisa: identificar a área, o problema e a justificativa (introdução), pesquisar o que existe na literatura (referencial teórico), propor uma solução/hipótese e um protocolo de experimentação (contribuição/método), reportar os resultados (resultados) e por fim chegar à uma conclusão. 

Outra forma de visualizar o documento relatório é como uma resposta às perguntas:

  • O quê (qual a área e o problema)?
  • Porquê (justificativa e motivação)?
  • Como (contribuição/hipótese e desenho dos experimentos para avaliação da proposta)?
  • Quais os resultados dos experimentos?
  • O que se pode concluir?

O framework dos funis invertidos do Prof. Fernando Buarque (BUARQUE DE LIMA NETO, 2019), também se aplica às questões expostas acima. A primeira questão trata de uma perspectiva mais generalista, em relação à uma área de pesquisa. A segunda pergunta afunila um pouco mais, dado que justifica e motiva para um problema em específico. Na sequência, tem-se a máxima delimitação com a abordagem de uma proposta de contribuição científica. Por fim, a conclusão volta a retomar o “o quê?” abrindo a perspectiva e situando a contribuição em um cenário mais amplo.

É preciso pontuar uma diferença entre o relatório de pesquisa e a pesquisa em si. O processo de fazer ciência, como a maioria das produções humanas, é complexo. Complexidade significa ser enovelado, com múltiplas caminhos a serem percorridos nas mais diferentes ordens. O relatório é linear. A pesquisa não necessariamente é linear, pode ter várias idas e vindas – incluindo nas questões delimitadoras e motivadoras da pesquisa. Portanto, é um desafio trazer um pouco desse pensamento linear do relatório para a pesquisa e um pouco da complexidade do processo humano para o relatório. 

Referências

BUARQUE DE LIMA NETO, Fernando. Hints for Research PhD (and other research) Students – Part 1, 1 ago. 2019. Disponível em: 

<https://drive.google.com/file/d/1x6zdG5HGTQ4MKx1GcneSJftVu9yzrsqf/view?usp=sharing>. Acesso em: 20 jul. 2020

NEWTON, Sir Isaac. The Mathematical Principles of Natural Philosophy. Londres, 1729. 

ROSENBERG, M. B. Nonviolent communication: a language of life. 2. ed ed. Encinitas, Calif: PuddleDancer, 2003. 

Problemas ou oportunidades?

A América Latina é responsável por cerca de 10% da população mundial. São 20 países que juntos possuem uma área de aproximadamente de 20 milhões km². Dentre esses países, dois estão entre as vinte maiores economias do mundo (Brasil e México). Entretanto, diante de tantas possibilidades, apenas 5% da produção científica mundial advém da América Latina [1].

Certamente a América Latina convive com graves problemas como corrupção e escassez de investimentos. Mas, uma questão que pode passar despercebida é a falta de identificação das pessoas como cidadãos latino americanos – exceto quando cantamos a música de Belchior. Economicamente, existem dois principais acordos comerciais: a Aliança do Pacífico e o Mercosul. Os dois tratados comerciais englobam apenas 55% (11) dos países da América Latina. Existem também alguns acordos específicos entre países, como o acordo de livre comércio para o setor automobilístico entre Brasil e México, mas, não há acordos extensos como um único bloco latino americano. Esse fato provoca um questionamento: realmente existe América Latina para além de uma região no globo terrestre de países com idiomas de origem comum? De outra forma, existe América Latina como um organismo vivo, composto de vários órgãos (países) com suas individualidades, mas que cooperam para um todo?

Mesmo com todas as dificuldades e a falta de integração, a América Latina consegue produzir bons pesquisadores e consequentemente boa ciência. Mas a produção científica na América Latina não movimenta a economia de forma relevante. Uma integração entre Indústria e Academia pode ser uma excelente oportunidade para ambos [2].

Vivemos o surgir de uma nova era. A revolução da automação [3]. Quando falamos de desenvolvimento tecnológico é muito difícil recuperar o tempo perdido para alcançar aqueles que estão na ponta. Mas, o surgir de uma nova tecnologia pode ser uma ótima oportunidade para entrar nesse jogo. No centro dessa transformação está a Inteligência Computacional (IC). A IC tem apresentado algumas características interessantes:

  1. Embora haja competição, é um ambiente majoritariamente colaborativo. Podemos usar frameworks, modelos, estruturas de nuvem sem altos custos – e algumas vezes sem custos. Grupos pesquisa (mesmo os das grandes empresas) participam de relevantes conferências e divulgam seus trabalhos, softwares e frameworks para toda a comunidade;
  2. O custo de hardware não é proibitivo. Embora recentemente tenham surgido modelos que nos fazem questionar essa premissa, para a maioria das aplicações práticas é possível usar computadores de médio porte para resolver problemas complexos;
  3. Embora seja uma área extremamente vibrante e com grande produção de conhecimento, existem muitos problemas em aberto e há muito espaço para aplicação nas mais diversas áreas.

A integração inteligente (em todos os sentidos) entre Academia, Indústria e Governo parece ser um bom caminho para uma transformação. Essa integração lubrificada pelas oportunidades que as pesquisas e aplicações da IC pode trazer frutos melhores. Em um segundo plano, a integração entre os países da América Latina, compartilhando cultura, comércio e ciência pode trazer um sentimento de pertencimento e resultados duradouros para todos os latino americanos.

Referências

[1] L. M. R. Ferreira et al., “Effective participatory science education in a diverse Latin American population”, Palgrave Commun., vol. 5, no 1, Art. no 1, jun. 2019, doi: 10.1057/s41599-019-0275-0.

[2] D. R. Ciocca e G. Delgado, “The reality of scientific research in Latin America; an insider’s perspective”, Cell Stress Chaperones, vol. 22, no 6, p. 847–852, nov. 2017, doi: 10.1007/s12192-017-0815-8.[3] D. Tobenkin, “The Automation Revolution”, SHRM, dez. 01, 2019. https://www.shrm.org/hr-today/news/all-things-work/pages/the-automation-revolution.aspx (acessado jul. 20, 2020).

Vontade de fazer doutorado?

A decisão de se submeter à um processo formativo cuja finalidade é a obtenção do grau acadêmico de doutor deve ser ponderada em vários aspectos. Trata-se de um caminho desafiador e com um objetivo ousado: tornar-se um(a) pesquisador(a) independente e como prova dessa habilidade adquirida ter produzido conhecimento científico relevante e inédito.

Muito se pode falar sobre o nosso processo de tomada de decisões. Há quem pense que a decisão pode ser um processo completamente racional. O notável Charles Darwin elaborou uma lista de prós e contras para tomar a decisão de casar-se [1]. Guardadas as devidas proporções, seria o ingresso no doutorado um caso de listas de pró e contras?

Embora para algumas pessoas esse processo racional funcione (o próprio Darwin parece ter tido sucesso com o casamento), certamente não funciona para outras. De outra forma, todos teríamos uma alimentação saudável e balanceada, leríamos pelo menos um livro por mês, praticaríamos meditação, teríamos rotinas saudáveis e seríamos super produtivos. Quantas pessoas se encaixam nesse padrão? Talvez nenhuma [2].

Existem explicações da neurociência para alguns desses comportamentos. Vivemos uma disputa entre estruturas racionais e lógicas e estruturas emocionais-sociais que terminam guiando uma busca pela felicidade utilitarista: maximizar o prazer e reduzir a dor. Portanto, o nosso lado racional consegue planejar que vamos acordar às 5 da manhã, fazer uma refeição saudável seguida de uma atividade física, iniciar o trabalho às 9h e ser super produtivo nas tarefas do dia. Entretanto, às 5h quando o despertador toca, o plano parece não fazer mais tanto sentido diante do prazer de continuar dormindo.

Aqui poderíamos começar falando sobre a vontade, no sentido filosófico, como sendo a força motriz que nos impulsiona para a ação. Essa situação humana pode ser resumida em duas frases. A primeira atribuída a Mahatma Gandhi: “A força não provém da capacidade física e sim de uma vontade indomável”. Gandhi coloca a vontade como fonte da força, indomável. A segunda frase é atribuída a Carlos Drummond de Andrade: “A minha vontade é forte, mas a minha disposição de obedecer-lhe é fraca”.

Portanto, a reflexão do porquê vivenciar um doutoramento é de extrema importância. As dificuldades do caminho fazem oscilar a vontade de viver a experiência. Entretanto, uma reflexão sobre propósitos e significado podem ajudar a estabelecer uma vontade menos oscilante. Manter alimentada a chama da curiosidade, um mecanismo interno que nos permite avançar para o desconhecido, também é importante. Não é tarefa simples, trata-se de reflexões que podem durar uma vida inteira.

De ordem prática, reflexões periódicas (diária, semanais, mensais) sobre o que temos feito e como nos sentimos em relação à essas coisas podem ajudar. Além disso, considerar nosso mecanismo biológico de confronto entre racionalidade e busca do prazer pode nos levar à melhores estratégias para planejar nossas rotinas e consequentemente melhorar a produtividade.

[1] M. POPOVA, “Charles Darwin’s List of the Pros and Cons of Marriage,” 2012. [Online]. Available: https://www.brainpickings.org/2012/08/14/darwin-list-pros-and-cons-of-marriage/ apud C. Darwin, The Correspondence of Charles Darwin, Volume 2: 1837-1843. Cambridge University Press, 1987.

[2] T. Rose, “The Myth of Average,” TEDxSonomaCounty, 2013. [Online]. Available: https://www.youtube.com/watch?v=4eBmyttcfU4.