Para que você quer que seu trabalho sirva?

Essa é a pergunta que eu faço sempre que um estudante me pergunta se posso orientá-lo na elaboração de algum trabalho acadêmico. Isso porque definir o objetivo do documento é importante para que ele seja planejado e elaborado, contemplando os elementos necessários ao alcance desse objetivo. Entretanto, conforme coloca o Professor Fernando Buarque, da POLI/UPE, os pesquisadores iniciantes nem sempre entendem com clareza que o documento científico é sempre um relatório de um trabalho que já foi feito. 

Isso é tão verdade que mesmo quando o documento é uma proposta de projeto que ainda será executado, ele contempla, no mínimo as razões pelas quais aquele projeto está sendo proposto e o subsídio técnico-científico para sua execução. Por tanto, é razoável concluir que sua elaboração só é possível porque foi feito um estudo prévio.

Estabelecido para que se destina o documento, é fundamental definir para quem ele se destina. E isso é tão importante que é o primeiro tópico trabalhado no Style Guide da OCDE. O documento, cujo propósito é orientar autores que pretendem trabalhar em publicações da organização, aborda como isso possibilita destacar a relevância do conteúdo do texto, ir direto ao ponto, passar a mensagem da forma que será mais facilmente lida, e de modo que subsidie novas ações a partir das novas informações disponibilizadas[1].

Tudo isso corrobora com conteúdos de áudios e vídeos publicados por Fernando Buarque, que reforça que o texto científico deve ser claro, em frases curtas e objetivas. Nas palavras do pesquisador, o texto científico já aborda algo que por sua própria natureza é complexo, por tanto o texto em si deve ser claro, e não rebuscado. A importância disso é evidenciada, por exemplo, em publicação recente no site do WEF, que destaca a importância da comunicação clara na luta contra a COVID-19. A autora do artigo afirma que o mundo precisa de mais cientistas que estejam dispostos a traduzir seus conhecimentos em comunicação eficaz, de modo a ajudar as pessoas a compreenderem os fatos e tomarem decisões com segurança[2].

Nesse contexto, vale ainda considerar que atualmente não se escreve somente para pessoas. Pois os textos também são lidos por computadores, e computadores também escrevem para pessoas. A compreensão desses aspectos é fundamental, por exemplo, para que pessoas encontrem conteúdos que são “lidos” e indexados por computadores, e computadores escrevam textos que ofereçam assistência a pessoas [3].

Sendo assim, verifica-se que a definição do objetivo do texto a ser escrito e o claro entendimento sobre quem irá ler são elementos fundamentais para que o documento cause o impacto esperado por quem o escreveu.

[1] OCDE, “OECD Style Guide Third Edition.pdf”. 2015, Acessado: jul. 28, 2020. [Online]. Disponível em: https://www.oecd.org/about/publishing/OECD-Style-Guide-Third-Edition.pdf.

[2] S. Sholts, “COVID-19: Never has clear science been more vital”, World Economic Forum, mar. 19, 2020. https://www.weforum.org/agenda/2020/03/science-communication-covid-coronavirus/ (acessado jul. 28, 2020).

[3] OCDE, “Writing in a Changing World”, Trends Shaping Education, 2018.

A importância da parceria entre indústria e universidade

De acordo com relatório do Fórum Econômico Mundial, entre 2017 e 2018 o Brasil subiu 1 posição no ranking de competitividade após vários anos em queda. Dentre todos os fatores avaliados, a maior contribuição foi do pilar inovação, com inversões positivas em diversos indicadores de performance, que evidenciam o aumento na capacidade do país em inovar. Os destaques foram para o aumento da colaboração entre empresas e universidades, e a melhoria na qualidade das pesquisas e na formação de cientistas e engenheiros. Entretanto, apesar do expressivo progresso, e do país ter subido outras 11 posições na edição de 2019 do mesmo estudo, a pontuação do pilar inovação está entre as mais baixas os indicadores analisados, o que sugere que há muitas oportunidades nessa área [1, 2] .

Nesse mesmo contexto, a OCDE publicou outro relatório que aborda evidências e possibilidades de políticas para fomentar essa interação, e apresenta recomendações. Dentre elas, 1) definir políticas que atendam às necessidades de pesquisa da indústria, considerando que uma única abordagem não será adequada para empresas de todos os portes e setores, 2) criar mais mecanismos de suporte a projetos de cocriação, além dos que tratam da transferência de tecnologia; 3) conferir maior autonomia às instituições de pesquisa para definirem os termos dos acordos de cooperação e transferência de tecnologia. Entre as evidências do benefício da relação indústria-universidade, o trabalho destaca que foi verificado que a proximidade entre universidades e indústrias tem um efeito positivo no aumento do número de depósito de pedidos de patentes, a fundação de startups por estudantes e acadêmicos contribui para o comércio e a transferência de tecnologia desenvolvida com recursos público [3].

As evidências e recomendações identificadas nas 3 publicações citadas parecem estar sendo refletidas em ações importantes empreendidas no Brasil nos últimos 3 anos. Dentre elas estão a criação de institutos de inovação por universidades e outras instituições de ensino e/ou pesquisa, cuja principal finalidade é aproximar a academia do setor produtivo através de projetos de PD&I, e a regulamentação do Marco Legal da Inovação, Ciência e Tecnologia [4]. O Marco é particularmente importante porque confere segurança jurídica às instituições de ensino [5], e estabelece de forma clara, por exemplo, as regras para a atuação do pesquisador público em ações de inovação, inclusive junto à iniciativa privada, e a autonomia das ICTs públicas, para definir os termos de direitos a propriedade intelectual, nas suas relações com outros atores.

[1] K. Schwab, “The Global Competitiveness Report”, 2017.

[2] K. Schwab, “The Global Competitiveness Report 2019”, p. 666.

[3] “University-Industry Collaboration : New Evidence and Policy Options | en | OECD | OCDE”. http://www.oecd.org/fr/innovation/university-industry-collaboration-e9c1e648-en.htm (acessado jul. 18, 2020).

[4] MCTIC, Marco Legal de Ciência, Tecnologia e Inovação. 2018.

[5] “Marco legal da inovação estreita relação entre ICTs e empresas”. http://pesquisaparainovacao.fapesp.br/marco_legal_da_inovacao_estreita_relacao_entre_icts_e_empresas/573 (acessado jul. 21, 2020).

Por que as indústrias devem contratar mais doutores, e mais industriais devem fazer doutorado?

A demanda por PhDs nas indústrias vem aumentando sobretudo em razão da forma rápida e radical com que mudanças vêm ocorrendo [1] . As contratações ocorrem não pelo fato de PhDs serem altamente qualificados ou por sua habilidade de absorver conhecimento científico [1, 2]. O interesse das empresas está na capacidade dos PhDs de utilizar poderosos métodos analíticos e estratégias para a entender, formular e resolver problemas complexos [3, 4], e no capital social desenvolvido por esses profissionais durante o processo de doutoramento, que normalmente envolve relacionamento com pesquisadores de diferentes áreas. Isso lhes permite identificar soluções para problemas de diferentes naturezas, detectar oportunidades tecnológicas dentro e fora da empresa e gerenciar parcerias [4] .

A observação dessas tendências e evidências da importância dos PhDs para o sucesso das empresas é um convite para que os executivos industriais reflitam sobre isso. Vale considerar a hipótese que essa capacidade de absorver conhecimento, entender os fatos e resolver problemas, pode ser de grande contribuição não somente nos departamentos de P&D mas também nas áreas de negócios e no próprio “chão-de-fábrica”.

Esse processo de forte interação entre universidade, governo e empresas, conhecido como Tríplice Hélice framework,  é observado em alguns locais de grande avanço econômico e tecnológico, como o Vale do Silício. Nesse novo paradigma, as três hélices: governo, indústria e universidade, atuam sinergicamente, contribuindo com suas competências para objetivos comuns e até assumem, em algumas situações,  uma o papel da outra. Ou seja, a indústria é sempre a hélice envolvida nos negócios e na produção, o governo é a hélice que regula e fomenta as relações, e a universidade é a hélice que produz conhecimento e tecnologia, mas a indústria também produz tecnologia, o governo também se envolve em aspectos de produção e a universidade também influencia as decisões sobre fomento e regulação. Esse estreitamento de relações ainda está em curso mesmo em países de desenvolvimento mais pujante. O fato é que em muitos locais a universidade ainda é vista como uma área periférica de suporte ao desenvolvimento tecnológico [5].

Nesse contexto, quem atua como elemento de conexão entre as hélices é o estudante de PhD. No contexto em que ele é um profissional da indústria em processo de doutoramento, o termo aplicado pela literatura é Industrial PhD Student. Isso porque ele realizará um projeto de pesquisa, que contribua com a indústria em que atua, e que também atenda a todos os critérios para obtenção de um título de doutor, tais como resolver um problema inédito, de forma inovadora, e apresentar prova incontestável da eficácia de sua proposta de solução [6] .

No Brasil, observa-se uma intensificação dessa prática sobretudo após os estabelecimentos dos marcos legais federal e estaduais de inovação, e das políticas de inovação nas universidades. Em alguns casos, as instituições têm criado institutos ou agências de inovação, cujo papel é entender os problemas e os desafios do setor produtivo e do governo e verificar quem e/ou que soluções já propostas pela equipe de pesquisadores da instituição, pode contribuir.

Entre as objeções verificadas por parte dos executivos industriais nas interações com institutos de pesquisa estão a desconfiança a respeito da capacidade das universidades de entregar soluções práticas à indústria e a demanda por respostas rápidas. Mas até essa expectativa a respeito da possibilidade de identificar soluções para problemas complexos em semanas se deve à falta de PhDs nas empresas. Isso porque sem eles, os executivos não dispõem de assessoria capaz de ajudar a definir quais problemas são solucionáveis a partir do uso de métodos, técnicas e tecnologias estabelecidos, e quais outros demandam pesquisa e desenvolvimento. O resultado disso é que a indústria apresenta como “urgentes”, problemas que assim são há décadas, e mesmo assim esperam obter uma solução em semanas.

Felizmente, essas barreiras têm sido transpostas ao passo em que as indústrias começam a empreender projetos em parceria com universidades, mesmo que pequenos, e a partir disso reconhecem os benefícios práticos que essa relação proporciona. Essas interações permitem que as duas “hélices” se conheçam melhor, entendam suas competências, capacidades, deficiências e desafios, criem empatia, e a partir disso contribuam de forma eficaz, uma como desenvolvimento da outra. Sendo assim, verifica-se que a integração entre indústria e universidade está se estabelecendo e ampliando continuamente, e que o PhD é um importante ator nesse processo. Por isso, é importante que as indústrias que ainda não dispõem de doutores em suas equipes reflitam sobre esse ponto e busquem estreitar seus relacionamentos com universidades e institutos de pesquisa.