BREVES APONTAMENTOS SOBRE ESTRUTURAÇÃO E COMUNICAÇÃO DO DOCUMENTO CIENTÍFICO

Existem diversos tipos de documentos científicos, os mais comuns são projetos de pesquisa, relatórios de pesquisa, monografias, dissertações, teses, livros e artigos. Em primeira análise todos vão servir para comunicar a ciência, cada um com seu propósito dentro desse objetivo maior. Eles contemplam seções que explicitam intenções, contribuições, resultados e metodologias bem definidas são esperadas em qualquer propenso documento científico. Destaca-se, contudo, que apenas quando colocados para conhecimento da comunidade e da realização de teste de objetividade (1), análise e crítica de um determinado campo epistemológico é que a contribuição do autor, pode de fato, ser aceita como conhecimento científico.

De modo geral todos os documentos científicos seguem a mesma lógica. Uma das formas de se apresentar um artigo original mais consolidadas, segundo Pereira (2011), seria pela utilização da estrutura IMRD (Introdução, Método, Resultados e Discussão). Há autores que prescrevem a utilização de uma lógica mais geral, aplicável para qualquer documento, com pequenas adaptações. Essa forma contemplaria uma Introdução, um Referencial Teórico, uma Intenção ou uma Contribuição, uma Metodologia e uma Conclusão. Esta estrutura sintética é capaz de comportar o raciocínio necessário para produção de quase todos os textos científicos segundo o professor Fernando Buarque de Lima Neto (2019). Mesmo com essa aderência morfológica é importante observar que toda área de conhecimento tem uma epistemologia e uma metodologia próprias, e que essas estruturas não são amarras e sim sugestões de organização. Estas buscam favorecer a transmissão da mensagem com o menor ruído e com a máxima organização e eficiência possíveis. 

A uniformização dos textos científicos surge como resposta à lógica do pensamento científico (2). A escrita do trabalho científico deve ser feita de forma objetiva, clara, racional e compreensível. O autor não deve utilizar um linguajar confuso ou rebuscado. É importante preservar a simplicidade, os cientistas devem escrever de forma direta e livre de verbosidades, jargões e qualquer outra estratégia que promova a distração (3). A qualidade do que é escrito, não só no conteúdo técnico, no aspecto ortográfico, verbal e gramatical do idioma escolhido pode atrair ou afastar leitores e/ou determinar o aceite ou rejeição do documento por um veículo de difusão.

Para evitar situações indesejáveis, então, cabe ao cientista concentrar esforços para ampliar o alcance ao público de seu trabalho, pois um alcance restrito pode inclusive diminuir o impacto das contribuições feitas, retardando seu conhecimento e compreensão. Isso pode impactar, inclusive, no seu reconhecimento e na sua reputação.

A demarcação da contribuição individual do autor em um lugar específico no documento proporciona organização e sinaliza para uma tentativa de neutralidade do texto científico. Nesses momentos “sua voz” tem espaço. Em qualquer outro lugar ela poderia ser vista como deslocada e inconveniente. Como pode-se notar até aqui, um documento científico deve respeitar uma organização, uma certa liturgia de momentos e descrever de forma sistematizada a contribuição científica. Isso é uma tarefa que exige um processo sofisticado e cuidadoso, dessa forma, sua estruturação e comunicação não podem ficar subordinadas ao acaso ou ao improviso. O pesquisador deve imprimir o mesmo rigor com o quê promove seus testes à elaboração dos documentos que os divulgam.

Portanto, dada a importância de se fazer ciência, de comunicá-la e de difundi-la, não se pode desconsiderar um planejamento consistente, que valorize cada parte dos documentos, endereçando adequadamente as produções ao tipo do documento, ao veículo de difusão, ao campo epistemológico, ao público potencial leitor e à comunidade como um todo. 

(1) A objetividade Kantiana concentra-se na indispensável justificabilidade do conhecimento propostamente científico. Se algo é válido cientificamente a objetividade e a fundamentação serão suficientes para convencimento dos que observam o fenômeno com o uso da razão. (POPPER, 1972)

(2) Com a padronização e uniformização o autor do texto científico fica livre para concentrar seus esforços, com menor grau de distração, na elaboração da mensagem técnica da comunicação de qualidade. (FERREIRA, 2011)

(3) “Scientists should write direct, straightforward prose, free from jargon, verbosity and other distracting elaborations.” (BARRAS, 2005)

REFERÊNCIAS

BARRAS, ROBERT. Scientists Must Write: A guide to better writing for scientists, engineers and students. Second Edition. New York: Published in the Taylor and Francis e-Library, 2005.

BUARQUE-LIMA-NETO, F. Google Classroom: Notas de aula por áudio, Preparação de documentos científicos, 2019. Recife: PPG-EC, 2020

FERREIRA, GONZAGA. Redação científica: Como entender e escrever com facilidade. São Paulo: Atlas, 2011.

PEREIRA, M. G. Artigos Científicos: Como redigir, publicar e avaliar. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2011.

POPPER, KARL. A lógica da pesquisa científica. São Paulo: Editora Cultrix, 1972.

 

CAPACIDADE DE DIAGNÓSTICO ESTRATÉGICO: COMPETÊNCIA ESSENCIAL DOS CIENTISTAS E DIRIGENTES PARA PESQUISAS E PARA POLÍTICAS PÚBLICAS

O mundo está mudando muito rápido. Nesse sentido para obter relevância e contribuirmos no que realmente possui valor e é importante para o futuro, nós do mundo acadêmico, não podemos nos afastar da capacidade de diagnóstico estratégico e da força de implementação. Uma “boa estratégia é aquela que permite explorar competências essenciais e obter vantagem competitiva” (HITT et al.; 2008). A competitividade vista sob a perspectiva da busca da capacidade de entregar mais com menos e em menos tempo em benefício social e individual deve ser perseguida por todos que desejam prosperidade a partir do consumo racional, sustentável e inteligente de recursos.

Entretanto, para competir de forma eficaz se faz necessário a identificação das competências essenciais capazes de proporcionar vantagem competitiva em relação aos concorrentes. Nesse sentido, a busca de um conjunto coordenado e integrado de compromissos e ações para explorar as competências essenciais e obter vantagem competitiva deve ser compreendida como uma skill emergente do mundo, seja acadêmico ou organizacional (público ou privado). A própria definição dos problemas de pesquisa exige uma articulação dos temas com aspectos como relevância, viabilidade e originalidade, e o conhecimento produzido nessas balizas é capaz de promover sim inovação científica e tecnológica. O ensino também pode cumprir um papel fundamental na formação de quadros com alta capacidade de aplicação, especialmente quando utiliza métodos que favoreçam o enfrentamento a problemas do mundo real, e não apenas meras abstrações. E isso pode virar o jogo da desigualdade a favor de qualquer nação.

Dado isso, o incentivo aos cientistas e a escolha dos dirigentes de políticas públicas, que articulem ações consistentemente conectadas a um projeto de sociedade e nacional, considerando articulação da capacidade de diagnóstico e de implementação de estratégias, se apresentam como necessidades alarmantes e urgentes. O documento “GLOBAL ISSUE: Fourth Industrial Revolution”, do Fórum Econômico Mundial (que foi recentemente atualizado para o contexto da Pandemia mundial de Covid-19, incorporando a influência acelerativa que o momento histórico tem produzido) destaca, dentre outras questões, a importância de políticas públicas com visão de longo prazo, bem como a necessidade de uma atuação ética e para atendimento de múltiplas partes interessadas, e pode servir como um importante farol de linhas mestras para elaboração de estratégias conectadas à quarta revolução industrial.

A imagem anexo I mostra um roadmap sobre o desenvolvimento de competências para quem deseja ser um profissional Data Science “BIG DATA ANALYTICS DATA MINING MACHINE LEARNING”. Essa é uma das mais promissoras profissões para “quarta onda” no mundo do trabalho, e é comum se ouvir a máxima: “antes de alguém aprender tudo isso o conhecimento já estará obsoleto”. E no roadmap não há nenhuma skill relacionada a ética, por exemplo. Esses profissionais podem vir a ser os engenheiros chefes do futuro da humanidade, e isso deveria ser uma preocupação estratégica em sua formação, segundo a própria visão do Fórum Econômico Mundial.

Portanto, o investimento em recursos humanos e materiais não pode ser obra do acaso. Deve ser minuciosamente planejada, concebida estrategicamente, como uma política pública de longo prazo, pois assim, aumentamos nossas chances de estarmos em melhores condições competitivas. Que tal desenharmos esse roadmap?

REFERÊNCIAS

AMARO, RODRIGO GAYGER. Notas de aula do professor no III MBA em Finanças e Investimentos – Estratégia Empresarial, 2015.

HITT, M. A.; IRELAND, R. D.; HOSKISSON, R. E. Administração Estratégica: competitividade e globalização. São Paulo: Thomson Learning, 2008.

WEFORUM. GLOBAL ISSUE: Fourth Industrial Revolution. Disponível em:  <https://www.weforum.org/agenda/2016/01/the-fourth-industrial-revolution-what-it-means-and-how-to-respond/>, acesso em 21/07/2020.

WEFORUM. GLOBAL ISSUE: Fourth Industrial Revolution. Disponível em:  <https://intelligence.weforum.org/topics/a1Gb0000001RIhBEAW?tab=publications>, acesso em 21/07/2020.

GITHUB. Data Scientist Roadmap.  Disponível em:  <https://github.com/MrMimic/data-scientist-roadmap>, acesso em 21/07/2020.

ANEXO I

CIÊNCIA: PERCEPÇÕES SIMBÓLICAS INDIVIDUAIS E COLETIVAS

Como é feita a ciência? Como se tornar um pesquisador independente? O que fazer para desenvolver cientistas produtivos e relevantes? Essas são perguntas aparentemente instrumentais, mas suas respostas carregam em si parte da explicação de como estão estabelecidos o tecido social, as relações sociais e a luta pelo poder.

PERCEPÇÕES INDIVIDUAIS: Santos e Slavi (2003) destacam em seu artigo sobre a “Semiótica Peirceriana” que para Charles Peirce todas as ciências seriam ciências da observação e que toda a lógica científica deriva da percepção, inclusive nas ciência exatas.
Durante um doutoramento, por exemplo, Buarque (2015) ensina em uma aula-conversa sobre doutoramento e produção de pesquisadores independentes, que a autodescoberta ontológica do pesquisador e a descoberta científica em si acontecem praticamente ao mesmo tempo.

PERCEPÇÕES COLETIVAS: Já enquanto processo coletivo, Marcuse (1968) destaca a ciência humana como “a mais poderosa arma e o instrumento mais eficaz na luta por uma existência livre e racional.” Destaca o autor que o esforço deve ir além do estudo em si dos laboratórios e salas de aula, em busca de uma condição social que permita combater a autodestruição humana. Afirma que a libertação em si não é mera consequência indireta da ciência, mas a sua própria realização. A figura abaixo elaborada por Ribeiro Filho et. al. (2009), a partir do pensamento clássico de Kunh (1970), representa bem o processo de construção social da ciência.

Na ilustração identifica-se que paradigmas científicos evoluem de acordo com o reconhecimento de anomalias em uma determinada teoria, isso resulta em um período de insegurança, que proporciona a geração de jogos alternativos de ideias, que segundo Khun (1970), a partir dessa colisão dialética são identificadas escolas de pensamento e é possível o estabelecimento de um novo paradigma dominante.

CIÊNCIA CONSTRUTO HUMANO

Assim, tende-se a crer em uma ciência como produto eminentemente humano, produzido pelas pessoas em uma relação quase simbiótica com a pesquisa, bem como na ciência como um processo social de validação por “iguais” e “seguidores” em busca da verdade paradigmática, da justiça científica, de uma ciência que seja humana, mas sobretudo não um fim em si mesmo. No contexto da luta pela liberdade e pela sobrevivência argumentada por Marcuse, o homem e a ciência cabem apenas em um lugar onde a vida e a liberdade são condições invariantes. A menos que socialmente se construa um pensamento autodestrutivo ou necrófilo. 

Combatendo a lógica instrumental da ciência, Fromm (1981) ensina que “(…) no pensamento científico, o pensamento correto é o mais importante, tanto sob o aspecto da honestidade intelectual como sob o aspecto da aplicação do pensamento científico à prática – isto é, a técnica.” (FROMM, 1981). 

Por fim, tenho novas perguntas, agora sequer podem ser confundidas por algum desatento com questões instrumentais, sob pena de ser classificado como cético, ou até mesmo como cínico. O conhecimento produzido por máquinas inteligentes pode ser chamado de conhecimento científico, dada a natureza da ciência como fenômeno humano e social? Os conceitos atuais comportam tamanha distopia? 

REFERÊNCIAS

ALVES, Rubem. Filosofia da Ciência: Introdução ao jogo e suas regras. 20ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1994.

BUARQUE, F.B.L. Aula conversa como fazer um doutorado: stress-free. WWU-Münster, Out-2015.

FROMM, Erich. O medo à Liberdade. Ed. Zahar, 1981.

KUHN, Thomas S. A Estrutura das Revoluções Científicas. Série debates, Editora Perspectiva, 1970. 

MARCUSE, H. Texto revisado da palestra ministrada no Lake Arrowhead Center of the University of California, Los Angeles (julho de 1966). [tradução foi feita a partir da publicação de The responsibility of science em Leonard Krieger e Fritz Stern (Org.), The responsibility of power: historical essays in honor of Hajo Holborn (New York, Doubleday, 1967), p. 439-44. https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1678-31662009000100008

RIBEIRO FILHO, José F. et al. Evolução da contabilidade financeira na perspectiva emancipatória de Erich Fromm: O processo de construção das Normas Brasileiras de Contabilidade Aplicadas ao Setor Público — NBCASP. Sociedade, Contabilidade e Gestão, v. 4, n. 1, p. 5-20, jan./jun. 2009.

SANTOS, G. L.; SALVI, R. F. “Apontamentos sobre possíveis contribuições da semiótica de Charles Sanders Peirce na educação matemática.” Revista Brasileira de Ensino de Ciência e Tecnologia 6, no. 2 (2013).

INSTRUÇÕES ENTREGÁVEL BLOCO 1

Assistir a palestra desse link e produzir 1-2 páginas sobre qualquer um dos assuntos abordados e pertinentes ao escopo deste Bloco-1.

https://youtu.be/Oqytn2JZzhc