PREPARANDO DOCUMENTOS CIENTÍFICOS

Como deve ser feito um documento científico [1]? Esta produção tem a finalidade de discutir e descrever alguns dos elementos que podem ser considerados como essenciais em qualquer documento científico, seja um artigo, uma tese, ou até mesmo uma produção de uma página.

Os componentes indispensáveis são a introdução, o referencial teórico, as contribuições, os resultados e a conclusão. Dependendo do espaço disponível, também podem fazer parte da produção um resumo na língua natal do escritor e em inglês, elementos pré-textuais como lista de abreviações, figuras, tabelas e dedicatória, e elementos pós-textuais, como as referências, anexos e apêndices.

Na introdução, que deve ser compreendida por um leitor não especialista da área, é passada a contextualização do documento. É onde o autor captura o interesse do leitor, trazendo a atenção deste ao tema a ser discutido no documento que segue. É onde aparece a finalidade do texto, a descrição do problema, seu objetivo principal e objetivos intermediários, sua hipótese, e sua justificativa. Pode conter também, caso o espaço comporte, um sumário, o escopo negativo do trabalho, e o seu Road map.

No referencial teórico deve ser inserido todo o conhecimento prévio necessário ao entendimento do problema. É nele que deve aparecer a revisão sistemática da literatura, caso o documento comporte uma. Aqui o autor ajusta o foco do trabalho, ao descrever procedimentos relacionados com sua contribuição, e por também citar trabalhos produzidos por terceiros, deve ser o componente com o maior número de referências de todo o texto. O referencial deve ser bem estruturado, evitando-se que possua a aparência de uma “colcha de retalhos”.

Na contribuição deve aparecer qual o avanço alcançado pelo autor no tratamento do problema descrito anteriormente. Isto deve ser feito de forma direta, com o uso de linguagem técnica, e com poucas referências, já que se trata do cerne do documento científico. Em suma, aqui publica-se o domínio de aplicação e o domínio teórico da contribuição apresentada.

Nos resultados, testa-se a contribuição feita no componente anterior, a fim de demonstrar-se que esta contribuição não só é reproduzível (funciona), como também é válida (funciona ao que se foi proposto). Como esta é a parte do documento em que a contribuição do autor é posta em prática, não deve aparecer nenhuma referência nos resultados.

Na conclusão do trabalho, a opinião do autor aparece novamente, assim como apareceu na introdução (e esteve fora nos outros componentes, apenas compostos de fatos científicos comprovados). Usualmente é apresentada em três partes: o resumo comentado do trabalho, com suas contribuições; uma discussão dos resultados, e suas limitações; e alguns dos trabalhos futuros relevantes, que se pretenda executar.

Para que se alcance o sucesso na criação do documento científico, é fundamental que esta mesma estrutura seguida em sua execução, também esteja presente em seu planejamento.

Referências

1:            Flórida, EUA, em 06/08/2019 – “Conversa sobre preparação de textos científicos”, Fernando Buarque, POLI, Universidade de Pernambuco, acessado em 21/07/2020, disponíveis em https://classroom.google.com/u/1/c/MTE1MjgzMjQ5MDk3/a/MTE4MTk0MjI5NTQw/details

CIÊNCIA ENQUANTO LATINO-AMERICANO

Uma das primeiras disciplinas cumpridas no mestrado originou um artigo, que conseguimos publicar em conferência internacional classificada entre os estratos superiores. A forma como conseguimos financiar os custos da viagem foi uma prova da criatividade latina: os autores do artigo dividiram as despesas da viagem, o professor que foi apresentar presencialmente o trabalho teve um desconto na inscrição por ser membro da IEEE, e a POLI nos apoiou também, reembolsando a maior parte desta inscrição. Tentamos outros apoios, mas por restrições orçamentárias dos órgãos, foram negados.

A conferência aconteceu em maio de 2019, e começamos a procurar ajuda para os recursos desde o momento em que soubemos da aprovação do artigo, em janeiro de 2019. Enfrentamos dificuldades, mas com o apoio dos envolvidos, e das instituições, conseguimos superá-las; não se sabe se conseguiríamos caso fosse em 2020, dadas as modificações que a pós-graduação do Brasil vem sofrendo nos últimos meses.

Em países como o Brasil, onde a educação não é tratada como prioridade pelo primeiro escalão do governo, é fundamental que se utilize a inventividade latina, a fim de se conseguir financiamento para pesquisas em setores da indústria que podem ser beneficiados pelos avanços tecnológicos provenientes destas pesquisas. E não se faz necessário ir para muito longe atrás destes incentivos à pesquisa vindos da indústria: Pernambuco possui exemplares de indústrias em cada uma das quatro revoluções industriais, e o avanço que uma delas poderia considerar trivial, pode ser vital para outra. Contudo, nem toda a indústria é receptiva a inovações como as trazidas por campos como a Computação Inteligente, dada a componente de experimentação inerente à área. Sendo assim, uma atitude positiva das organizações é necessária, caso contrário, todo o potencial será desperdiçado.

É importante que o pesquisador trabalhe com tópicos de seu interesse, para não transformar o trabalho em algo desgastante. Todavia, é preciso mais uma vez invocar a originalidade latina [1], a fim de que o pesquisador encontre um tema que consiga unir seus interesses com os do povo, e com os dos financiadores da pesquisa. Este modelo não convencional é necessário para diminuir o verdadeiro abismo que existe entre a academia e a indústria no Brasil, e atualmente, também entre a academia e alguns setores da sociedade e do governo, por mais inacreditável que esta realidade possa parecer.

As novas técnicas podem desempenhar papel de destaque na mudança de percepção da comunidade em relação à Ciência e Tecnologia. Elas vêm popularizando áreas como a Inteligência Artificial, até bem pouco tempo vistas como inacessíveis e exclusivas de nichos acadêmicos. Podem até mesmo trazer novos candidatos a cientistas ao meio acadêmico, vindos dos locais mais inusitados. Para que esta abertura no recebimento de novos membros no clube da ciência funcione, nós, já iniciados, devemos ter um olhar livre de preconceitos, como é esperado em um lugar multicultural como a América Latina, com suas diferentes realidades amalgamadas em um mesmo local.

Referências

1:            Cartagena, Colômbia, em 04/11/2016 – Key-Talk at 2016 IEEE LA-CCI “Possible roles of AI/CI in Latin America”, Fernando Buarque, University of Pernambuco et alli, acessado em 14/07/2020, disponível em https://youtu.be/P_SoCXR9pwI

Aos meus avós

Em uma pós graduação stricto sensu, os textos científicos produzidos costumam seguir um template predeterminado, sejam as recomendações mais recentes descritas pela ABNT, o formato padrão de um artigo a ser publicado em um journal ou conferência, o modelo da dissertação ou tese de cada instituição de ensino… Como estamos em meio a uma pandemia de proporções sem paralelo em nossa geração, tomarei a liberdade de contar a minha história: como cheguei ao doutorado.

É atribuída ao romancista, pensador e estadista francês Victor Hugo a frase “se você quer educar um homem, comece pela avó dele”. Seguindo este exemplo, começarei com um pouco da história de meus avós. Luiz (in memoriam), meu avô paterno, veio do interior tentar a sorte em Recife, e aqui conheceu Minervina (in memoriam), minha avó materna, e casaram-se. Ambos com origem humilde, de educação formal possuíam pouco mais que a alfabetização. Tiveram três filhas e cinco filhos. Destes, duas filhas e três filhos escaparam da infância. Meus avós paternos sabiam do valor da formação mesmo sem tê-la, e todos os seus filhos foram bem mais longe no ensino que os pais. Mesmo assim, por causa dos percalços da vida, apenas dois dos cinco chegaram a prestar vestibular, e a concluir a graduação. Nenhum dos dois jamais chegou a exercer a profissão em que se graduaram. Meu pai, Ricardo (in memoriam), foi um dos três que não prestou vestibular, começou a trabalhar cedo, casou-se com Ubiracy, minha mãe, filha única de seus pais, e seguiram afastados da academia. Assim como meus avós paternos, meus avós maternos Creuza (in memoriam) e Faustino (in memoriam) também possuíam pouco mais que a alfabetização.

Sendo assim, minha origem, neste ponto, é muito parecida com a de meus pais e tios: meus pais também sabiam da importância de uma formação acadêmica consistente mesmo sem possuir uma, e incentivaram meu desenvolvimento escolar no limite de suas capacidades financeiras. Com a boa base proporcionada por eles, aos quinze anos consegui ser aprovado para fazer meu segundo grau, simultâneo à formação técnica em Eletrônica, na Escola Técnica Federal de Pernambuco, uma escola de qualidade, e gratuita. Lá fui apresentado ao mercado de trabalho, e por causa de minha formação, aos dezoito consegui meu primeiro estágio. Por causa deste estágio (e da formação), aos vinte consegui meu primeiro emprego. As responsabilidades profissionais foram se avolumando, de forma que não consegui conciliá-las com as acadêmicas. Nesta fase de minha vida, tive que colocar o lado profissional em primeiro plano, mas nunca deixei de achar que a ascensão, inclusive profissional, só viria atrelada à continuidade na trilha acadêmica. Só aos trinta consegui concluir o curso de graduação em Licenciatura em Computação na Universidade Federal Rural de Pernambuco, um curso em minha área, no período noturno, compatível com meu horário no trabalho, em uma universidade de qualidade, e gratuita. Nesta mesma época, recebi uma promoção em meu trabalho, que não seria possível, caso não tivesse visto certos conteúdos na graduação, e que não poderia ser ocupada por alguém que não possuísse uma graduação. Minha mãe até hoje mantém na sala da casa dela a minha placa de formatura individual.

Quis continuar o desenvolvimento acadêmico, e fiz uma pós graduação latu sensu em Banco de Dados. O passo seguinte naturalmente seria um mestrado, mas pouco depois fui transferido para Caruaru, o que pausou momentaneamente meus planos acadêmicos, já que entre 2013 e 2016 ainda não existia o Mestrado multicampi do PPGEC. Retornando ao Recife, no segundo semestre de 2018 consegui entrar no mestrado em engenharia da computação na POLI, em um tema que associou computação inteligente, segurança, e o combate aos malware, temas que me são interessantes tanto acadêmica, quanto profissional, e pessoalmente. E na Universidade de Pernambuco, uma universidade de qualidade, que valoriza a integração com a indústria e o mercado de trabalho, e gratuita. Defendi minha dissertação no dia 17 de fevereiro de 2020, aos quarenta anos, e pude ter a felicidade e o orgulho de NÃO ser o primeiro descendente de meus avós a ter o título de mestre: Carol, minha prima, defendeu aos vinte e seis anos sua dissertação em Engenharia Civil pela Universidade Federal de Pernambuco, uma universidade de qualidade, e também gratuita. Ela é filha do meu tio Luiz (mesmo nome do pai dele, meu avô), um dos dois filhos dos meus avós paternos que conseguiram concluir a graduação. Dos descendentes de meus avós, ela foi a primeira a alcançar esta titulação, mas eu não serei o último: pelo menos mais quatro netos dos meus avós estão em algum estágio da graduação, em idade bem mais apropriada para tal que a minha. Farei tudo ao meu alcance para que as próximas gerações também sigam o caminho da educação. Eu devo isso aos meus pais e avós.

Finalmente eu entrei no doutorado, também na POLI, em um tema que é uma extensão natural do trabalho desenvolvido no mestrado. Apesar do contexto mundial causado pela pandemia, e das respostas insuficientes e conflitantes das autoridades serem uma fonte virtualmente inesgotável de stress, eu espero conseguir terminar esta etapa de minha formação com saúde, utilizando as pertinentes orientações presentes na apresentação (1) feita aos alunos brasileiros da Universidade de Münster, Alemanha, no início da jornada do doutorado, assim como eu, dentre as quais destaco: o logbook, não confiar na memória, Max Payne (ou talvez um jogo mais novo, no mesmo estilo), o bom relacionamento com os pares, com o supervisor, e consigo mesmo, por meio do uso das wonder tools. Se Brian May, apesar de todos os seus… “complicadores”, conseguiu concluir o doutorado antes dos 60, então ele vai ser a minha inspiração: conciliarei as minhas questões profissionais, familiares, pessoais e acadêmicas, e conseguirei também.

Referências

1:           Münster, Alemanha, em 30/10/2015 – General Talk to Brazilian Research Students at ERCIS “How to do a PhD stress free!”, Fernando Buarque (University of Pernambuco / WWU Münster), acessado em 07/07/2020, disponível em https://youtu.be/Oqytn2JZzhc