Pós-graduação e Saúde Mental

O ingresso em uma pós-graduação, em especial o doutorado, é uma importante decisão não apenas profissional, em busca do mais alto nível de especialização em uma área de conhecimento, mas de vida.

O doutorado é o treinamento de pesquisadores independentes que se apresenta para os que nele ingressam como uma longa e árdua jornada de auto-descobrimento e auto-aperfeiçoamento, uma jornada tão filosófica quanto é científica.

Esta jornada é prazerosa e recompensadora, e nela indivíduos engajados na ciência auxiliam diretamente na expansão dos limites do conhecimento humano.

No entanto pode ser exaustiva e requer cuidados, tanto por parte das instituições de ensino e pesquisa quanto dos próprios discentes para que preservem sua saúde mental.

Deterioração da saúde mental reduz produtividade e entusiasmo em projetos trabalhados, possivelmente prejudicando a produção do indivíduo em sua pesquisa, que por sua vez agrava o quadro mental, em um ciclo vicioso de reforços negativos. Mas o mais importante: problemas de saúde mental afetam a vida pessoal e familiar dos seres humanos que são afetados, influenciando em seus níveis de satisfação e ânimo com a vida de forma geral.

Um estudo feito com 2.279 estudantes de mestrado e doutorado de 26 países concluiu que 41% dos estudantes possuíam ansiedade de nível moderada a severa, além de 39% dos pós-graduandos apresentarem depressão nos mesmos níveis. [1]

No Brasil, Neto e Mari [2] relatam em seu estudo da Universidade Federal de São Paulo, realizado com 146 estudantes de pós-graduação, o quão assustadoramente comum são distúrbios de saúde mental na pós-graduação também no Brasil. 42,7% dos acompanhados foram diagnosticados com algum nível de depressão, com 18% mencionando tendências suicidas.

Mas o que torna a educação superior tão mentalmente exaustiva, a ponto de tornar doenças mentais seis vezes mais comuns que no resto da população? Entre os principais fatores se encontram a alta demanda de trabalho, conflitos com a vida pessoal, exclusão do processo de decisão, baixo controle do trabalho e pouco apoio por parte dos supervisores [3].

Os números, em conjunto com os relatos de causas percebidas nos levam a importante e extremamente necessária reflexão: como reverter a atual crise de saúde mental nas instituições de pesquisa?

Dois níveis de análise do problema podem ser tomados: 1) ações do discente, que em ciência das dificuldades trazidas pela pós-graduação busca prevenir os distúrbios de saúde mental, reduzindo o stress; 2) ações das instituições, que por meio de políticas tentam evitar ou minimizar os fatores agravantes dos distúrbios mentais.

Ao nível pessoal, possuir metodologias específicas e bem trabalhadas para abordar certos aspectos da pós-graduação. Possuir uma metodologia clara de anotações, como o método de Cornell [4], e a manutenção de uma rotina, por exemplo, podem ajudar no senso de controle sobre seus projetos.

Além destes, atividades que apresentam efeitos positivos na saúde mental de maneira geral podem e devem ser utilizados por discentes de pós-graduação. Alimentação saudável, exercícios regulares, sono apropriado de no mínimo 8 horas diárias e possuir atividades de lazer, como manter um hobby.

Quanto a aplicações de políticas em instituições de pesquisa é necessário uma mudança de foco para levantar o reconhecimento da saúde mental dentro de seus departamentos, além disso é importante a existência de profissionais capazes de tratar problemas de saúde mental.

Levecque et al [5] ainda aponta na importância da investigação de fundos de pesquisa e condições de emprego, observando a relação anteriormente não computadas na saúde mental. O número de estudantes para cada supervisor afeta diretamente no senso de inspiração de liderança que os estudantes recebem. Os autores indicam ainda uma abordagem de “gerenciamento de risco”, um visão importante para ambos os estudantes e a própria instituição que relaciona diretamente a a saúde mental dos discentes com a saúde das pesquisas que a instituição produz.

Referências

[1] Teresa M. Evans et al. “Evidence for a mental health crisis in graduate education”. In: Nature Biotechnology 36.3 (2018), pp. 282–284.issn: 15461696.doi:10.1038/nbt.4089.url:http://dx.doi.org/10.1038/nbt.4089.

[2] R Fagnani Neto and J J Mari. “Saúde Mental dos Estudantes de Pós-Graduação”. In: 37 (2004), pp. 1519–1524.

[3] Susan Guthrie et al. “Understanding mental health in the research environment: A rapid evidence assessment”. In:Rand health quarterly 7.3 (2018).

[4] Ross J. Q. Pauk Walter; Owens. “The Cornell System: Take Effective Notes”. In:How to Study in College. 10th ed. 2010. Chap. 10, pp. 235–277. isbn: 978-1-4390-8446-5.

[5] Katia Levecque et al. “Work organization and mental health problems in PhD students”. In: Research Policy 46.4 (2017), pp. 868–879. issn: 00487333.doi:10.1016/j.respol.2017.02.008.url:http://dx.doi.org/10.1016/j.respol.2017.02.0

Para que você quer que seu trabalho sirva?

Essa é a pergunta que eu faço sempre que um estudante me pergunta se posso orientá-lo na elaboração de algum trabalho acadêmico. Isso porque definir o objetivo do documento é importante para que ele seja planejado e elaborado, contemplando os elementos necessários ao alcance desse objetivo. Entretanto, conforme coloca o Professor Fernando Buarque, da POLI/UPE, os pesquisadores iniciantes nem sempre entendem com clareza que o documento científico é sempre um relatório de um trabalho que já foi feito. 

Isso é tão verdade que mesmo quando o documento é uma proposta de projeto que ainda será executado, ele contempla, no mínimo as razões pelas quais aquele projeto está sendo proposto e o subsídio técnico-científico para sua execução. Por tanto, é razoável concluir que sua elaboração só é possível porque foi feito um estudo prévio.

Estabelecido para que se destina o documento, é fundamental definir para quem ele se destina. E isso é tão importante que é o primeiro tópico trabalhado no Style Guide da OCDE. O documento, cujo propósito é orientar autores que pretendem trabalhar em publicações da organização, aborda como isso possibilita destacar a relevância do conteúdo do texto, ir direto ao ponto, passar a mensagem da forma que será mais facilmente lida, e de modo que subsidie novas ações a partir das novas informações disponibilizadas[1].

Tudo isso corrobora com conteúdos de áudios e vídeos publicados por Fernando Buarque, que reforça que o texto científico deve ser claro, em frases curtas e objetivas. Nas palavras do pesquisador, o texto científico já aborda algo que por sua própria natureza é complexo, por tanto o texto em si deve ser claro, e não rebuscado. A importância disso é evidenciada, por exemplo, em publicação recente no site do WEF, que destaca a importância da comunicação clara na luta contra a COVID-19. A autora do artigo afirma que o mundo precisa de mais cientistas que estejam dispostos a traduzir seus conhecimentos em comunicação eficaz, de modo a ajudar as pessoas a compreenderem os fatos e tomarem decisões com segurança[2].

Nesse contexto, vale ainda considerar que atualmente não se escreve somente para pessoas. Pois os textos também são lidos por computadores, e computadores também escrevem para pessoas. A compreensão desses aspectos é fundamental, por exemplo, para que pessoas encontrem conteúdos que são “lidos” e indexados por computadores, e computadores escrevam textos que ofereçam assistência a pessoas [3].

Sendo assim, verifica-se que a definição do objetivo do texto a ser escrito e o claro entendimento sobre quem irá ler são elementos fundamentais para que o documento cause o impacto esperado por quem o escreveu.

[1] OCDE, “OECD Style Guide Third Edition.pdf”. 2015, Acessado: jul. 28, 2020. [Online]. Disponível em: https://www.oecd.org/about/publishing/OECD-Style-Guide-Third-Edition.pdf.

[2] S. Sholts, “COVID-19: Never has clear science been more vital”, World Economic Forum, mar. 19, 2020. https://www.weforum.org/agenda/2020/03/science-communication-covid-coronavirus/ (acessado jul. 28, 2020).

[3] OCDE, “Writing in a Changing World”, Trends Shaping Education, 2018.

A importância da parceria entre indústria e universidade

De acordo com relatório do Fórum Econômico Mundial, entre 2017 e 2018 o Brasil subiu 1 posição no ranking de competitividade após vários anos em queda. Dentre todos os fatores avaliados, a maior contribuição foi do pilar inovação, com inversões positivas em diversos indicadores de performance, que evidenciam o aumento na capacidade do país em inovar. Os destaques foram para o aumento da colaboração entre empresas e universidades, e a melhoria na qualidade das pesquisas e na formação de cientistas e engenheiros. Entretanto, apesar do expressivo progresso, e do país ter subido outras 11 posições na edição de 2019 do mesmo estudo, a pontuação do pilar inovação está entre as mais baixas os indicadores analisados, o que sugere que há muitas oportunidades nessa área [1, 2] .

Nesse mesmo contexto, a OCDE publicou outro relatório que aborda evidências e possibilidades de políticas para fomentar essa interação, e apresenta recomendações. Dentre elas, 1) definir políticas que atendam às necessidades de pesquisa da indústria, considerando que uma única abordagem não será adequada para empresas de todos os portes e setores, 2) criar mais mecanismos de suporte a projetos de cocriação, além dos que tratam da transferência de tecnologia; 3) conferir maior autonomia às instituições de pesquisa para definirem os termos dos acordos de cooperação e transferência de tecnologia. Entre as evidências do benefício da relação indústria-universidade, o trabalho destaca que foi verificado que a proximidade entre universidades e indústrias tem um efeito positivo no aumento do número de depósito de pedidos de patentes, a fundação de startups por estudantes e acadêmicos contribui para o comércio e a transferência de tecnologia desenvolvida com recursos público [3].

As evidências e recomendações identificadas nas 3 publicações citadas parecem estar sendo refletidas em ações importantes empreendidas no Brasil nos últimos 3 anos. Dentre elas estão a criação de institutos de inovação por universidades e outras instituições de ensino e/ou pesquisa, cuja principal finalidade é aproximar a academia do setor produtivo através de projetos de PD&I, e a regulamentação do Marco Legal da Inovação, Ciência e Tecnologia [4]. O Marco é particularmente importante porque confere segurança jurídica às instituições de ensino [5], e estabelece de forma clara, por exemplo, as regras para a atuação do pesquisador público em ações de inovação, inclusive junto à iniciativa privada, e a autonomia das ICTs públicas, para definir os termos de direitos a propriedade intelectual, nas suas relações com outros atores.

[1] K. Schwab, “The Global Competitiveness Report”, 2017.

[2] K. Schwab, “The Global Competitiveness Report 2019”, p. 666.

[3] “University-Industry Collaboration : New Evidence and Policy Options | en | OECD | OCDE”. http://www.oecd.org/fr/innovation/university-industry-collaboration-e9c1e648-en.htm (acessado jul. 18, 2020).

[4] MCTIC, Marco Legal de Ciência, Tecnologia e Inovação. 2018.

[5] “Marco legal da inovação estreita relação entre ICTs e empresas”. http://pesquisaparainovacao.fapesp.br/marco_legal_da_inovacao_estreita_relacao_entre_icts_e_empresas/573 (acessado jul. 21, 2020).

Por que as indústrias devem contratar mais doutores, e mais industriais devem fazer doutorado?

A demanda por PhDs nas indústrias vem aumentando sobretudo em razão da forma rápida e radical com que mudanças vêm ocorrendo [1] . As contratações ocorrem não pelo fato de PhDs serem altamente qualificados ou por sua habilidade de absorver conhecimento científico [1, 2]. O interesse das empresas está na capacidade dos PhDs de utilizar poderosos métodos analíticos e estratégias para a entender, formular e resolver problemas complexos [3, 4], e no capital social desenvolvido por esses profissionais durante o processo de doutoramento, que normalmente envolve relacionamento com pesquisadores de diferentes áreas. Isso lhes permite identificar soluções para problemas de diferentes naturezas, detectar oportunidades tecnológicas dentro e fora da empresa e gerenciar parcerias [4] .

A observação dessas tendências e evidências da importância dos PhDs para o sucesso das empresas é um convite para que os executivos industriais reflitam sobre isso. Vale considerar a hipótese que essa capacidade de absorver conhecimento, entender os fatos e resolver problemas, pode ser de grande contribuição não somente nos departamentos de P&D mas também nas áreas de negócios e no próprio “chão-de-fábrica”.

Esse processo de forte interação entre universidade, governo e empresas, conhecido como Tríplice Hélice framework,  é observado em alguns locais de grande avanço econômico e tecnológico, como o Vale do Silício. Nesse novo paradigma, as três hélices: governo, indústria e universidade, atuam sinergicamente, contribuindo com suas competências para objetivos comuns e até assumem, em algumas situações,  uma o papel da outra. Ou seja, a indústria é sempre a hélice envolvida nos negócios e na produção, o governo é a hélice que regula e fomenta as relações, e a universidade é a hélice que produz conhecimento e tecnologia, mas a indústria também produz tecnologia, o governo também se envolve em aspectos de produção e a universidade também influencia as decisões sobre fomento e regulação. Esse estreitamento de relações ainda está em curso mesmo em países de desenvolvimento mais pujante. O fato é que em muitos locais a universidade ainda é vista como uma área periférica de suporte ao desenvolvimento tecnológico [5].

Nesse contexto, quem atua como elemento de conexão entre as hélices é o estudante de PhD. No contexto em que ele é um profissional da indústria em processo de doutoramento, o termo aplicado pela literatura é Industrial PhD Student. Isso porque ele realizará um projeto de pesquisa, que contribua com a indústria em que atua, e que também atenda a todos os critérios para obtenção de um título de doutor, tais como resolver um problema inédito, de forma inovadora, e apresentar prova incontestável da eficácia de sua proposta de solução [6] .

No Brasil, observa-se uma intensificação dessa prática sobretudo após os estabelecimentos dos marcos legais federal e estaduais de inovação, e das políticas de inovação nas universidades. Em alguns casos, as instituições têm criado institutos ou agências de inovação, cujo papel é entender os problemas e os desafios do setor produtivo e do governo e verificar quem e/ou que soluções já propostas pela equipe de pesquisadores da instituição, pode contribuir.

Entre as objeções verificadas por parte dos executivos industriais nas interações com institutos de pesquisa estão a desconfiança a respeito da capacidade das universidades de entregar soluções práticas à indústria e a demanda por respostas rápidas. Mas até essa expectativa a respeito da possibilidade de identificar soluções para problemas complexos em semanas se deve à falta de PhDs nas empresas. Isso porque sem eles, os executivos não dispõem de assessoria capaz de ajudar a definir quais problemas são solucionáveis a partir do uso de métodos, técnicas e tecnologias estabelecidos, e quais outros demandam pesquisa e desenvolvimento. O resultado disso é que a indústria apresenta como “urgentes”, problemas que assim são há décadas, e mesmo assim esperam obter uma solução em semanas.

Felizmente, essas barreiras têm sido transpostas ao passo em que as indústrias começam a empreender projetos em parceria com universidades, mesmo que pequenos, e a partir disso reconhecem os benefícios práticos que essa relação proporciona. Essas interações permitem que as duas “hélices” se conheçam melhor, entendam suas competências, capacidades, deficiências e desafios, criem empatia, e a partir disso contribuam de forma eficaz, uma como desenvolvimento da outra. Sendo assim, verifica-se que a integração entre indústria e universidade está se estabelecendo e ampliando continuamente, e que o PhD é um importante ator nesse processo. Por isso, é importante que as indústrias que ainda não dispõem de doutores em suas equipes reflitam sobre esse ponto e busquem estreitar seus relacionamentos com universidades e institutos de pesquisa.